Por Fred Durso, Jr.
O Presidente do Conselho Diretor de Segurança Química, Rafael Moure-Eraso, e o pesquisador Donald Holmstrom falam sobre o trabalho conjunto do CSB e da NFPA para lidar com as práticas de liberação de gás em ambientes industriais.
Quando Rafael Moure-Eraso, presidente do Conselho Diretor de Segurança Química (CSB, da sigla em inglês), fala das mortes e dos ferimentos ocorridos em duas recentes explosões catastróficas em ambientes industriais pensamos numa palavra: evitáveis. Ambos os incidentes envolviam uma prática usual, mas potencialmente perigosa: a liberação intencional de gás natural perto de locais de trabalho, apesar de existirem alternativas mais seguras.
Em junho 2009, trabalhadores da fábrica ConAgra Slim Jim em Garner, Carolina do Norte, estavam conectando um novo tubo de alimentação de gás a um aquecedor de água industrial, quando começaram a utilizar gás natural para eliminar o ar do tubo. Os trabalhadores ignoravam o nível de acumulação de gás no interior das instalações, após um processo de liberação de gás de duas horas e meia: a concentração de gás acumulado chegou ao limite mínimo inflamável e entrou em contato com uma fonte de ignição, resultando numa explosão que matou quatro trabalhadores e feriu mais de sessenta. Oito meses mais tarde, na central elétrica em construção da Kleen Energy, em Middletown, Connecticut, o gás em alta pressão, utilizado durante um procedimento de limpeza, foi bombeado nas tubulações e liberado ao exterior. Uma vez mais, o gás se tinha acumulado a níveis perigosos e encontrou uma fonte de ignição, matando seis trabalhadores e ferindo cerca de cinquenta.
Depois dos incidentes, o CSB, a agência federal baseada em Washington, D.C. que investiga os incidentes industriais, forneceu recomendações de segurança à comunidade que lida com códigos e normas. A NFPA reagiu rapidamente às recomendações relacionadas com a ConAgra, criando e aprovando um esboço de emenda provisória para o NFPA 54, Código Nacional de Gás Combustível, que trata os procedimentos de purga, tanto no interior como no exterior e cria salvaguardas mais estritas para os trabalhadores envolvidos nessas práticas. As emendas deveriam ser incluídas na edição 2012 do NFPA 54. Mais cedo este ano, a NFPA formou um comitê técnico para desenvolver uma nova NFPA 56, Norma Provisória para o Comissionamento e a Manutenção dos Sistemas de Gás Combustível Canalizado, que lidará também com o tipo de explosões de gás que ocorreram na Kleen Energy. A nova norma tratará também um leque de atividades ligadas ao processo do gás, como os procedimentos de limpeza, reparação, substituição e remoção das tubulações em centrais elétricas, locais industriais e comerciais.
Em sua apresentação especial na Conference & Expo da NFPA de 12 a 15 de junho em Boston, Moure-Eraso falou longamente sobre o incidente da Kleen-Energy e suas conseqüências. O NFPA Journal falou recentemente com Moure-Eraso e Don Holmstrom, pesquisador do CSB e diretor do escritório Regional da Zona Oeste da agência, para discutir os perigos inerentes às práticas de liberação de gás, a resposta imediata da NFPA aos incidentes e o futuro da segurança industrial.
Descrevam o processo de purga por gás e a limpeza com gás em alta pressão (Gas blowing) e a sua participação nos incidentes da ConAgra e da Kleen Energy.
Moure-Eraso: na situação da ConAgra, a purga das novas tubulações no interior do edifício ocorreu durante a instalação dum aquecedor de água industrial alimentado a gás. Os trabalhadores utilizaram gás natural – um gás inflamável - para expulsar o ar do sistema de tubulações. Num dos tubos, a descarga de gás não ocorreu no exterior, mas dentro da planta.
A limpeza com gás em alta pressão (gas blow) é uma situação diferente. Utilizam-se grandes volumes de gás em pressões mais altas para limpar os sistemas de tubos e canos, principalmente em centrais elétricas. O volume de gás é tão grande que a descarga deve ser dirigida para locais seguros no exterior. E já que há tanto gás, a possibilidade de encontrar uma fonte de ignição é maior, causando danos às pessoas que trabalham em áreas próximas do edifício.
Esses incidentes eram evitáveis?
Moure-Eraso: é surpreendente [no caso da Kleen Energy] que alguém possa pensar em pegar cerca de 1.300 m3 de gás inflamável e bombeá-los num sistema sem pensar no que poderia acontecer. A segurança e prevenção em relação aos empregados foram totalmente ignoradas ao aplicar esse procedimento.
Holmstrom: A outra face da moeda é nossa descoberta que, de fato, nenhuma norma existente se aplicava a essa prática. Isso mostra realmente quão importante é que grupos como a NFPA fixem normas e práticas mínimas para fornecer requisitos às pessoas que querem aplicar práticas seguras na prevenção desses acidentes.
Durante a investigação da ConAgra, os investigadores do CSB analisaram a prática de purgar o gás natural em ambientes interiores. O que descobriram?
Holmstrom: quanto à questão da purga, encontramos uma série de incidentes similares que ocorreram faz relativamente pouco tempo. [O Relatório da investigação do CSB sobre a ConAgra relata seis acidentes durante a purgação com gás desde 1997.] Descobrimos também que vários fenômenos podiam afetar a capacidade das pessoas utilizarem seu sentido do olfato, uma prática comum em detectar a emissão de gás combustível. Uma das questões é a dissipação do cheiro, onde o odorante acrescentado ao gás natural pode reagir com novas tubulações e contêineres de gás, resultando na sua remoção ou redução. Também existe a fadiga relacionada com o cheiro - a exposição a um determinado odor por um longo período de tempo pode reduzir a habilidade de detecção.
Existem outros fenômenos relacionados com a psicologia individual duma pessoa. Algumas pessoas são mais sensíveis à detecção de cheiros que outras.
Uma das lições aprendidas é que não se deve contar apenas com o cheiro para detectar uma liberação de gás combustível. Recomendamos no nosso relatório a utilização de detectores para monitorar as concentrações de gás, mesmo nas purgas para o exterior. A maior lição aprendida é que se deve purgar longe dos trabalhadores, num local seguro e longe de fontes de ignição.
O que acha da resposta da NFPA às recomendações do CSB sobre o incidente da ConAgra?
Holmstrom: estamos muito satisfeitos que a NFPA tenha tomado uma ação tão positiva. O pessoal com o qual lidamos era muito dedicado à segurança e à adoção de todas as práticas seguras. A resposta foi rápida. O estabelecimento duma norma envolve sempre um pouco de confusão. Dito isso, aquilo que nos impressionou foi a perseverança dos membros e pessoal da NFPA em fazer as coisas certas e conseguir a adoção das recomendações.
Moure-Eraso: apreciamos que a NFPA tenha aceitado nossas recomendações e tenha atuado. As novas provisões da NFPA 54 teriam requerido que o gás na ConAgra fosse purgado no exterior, longe do pessoal e das fontes de ignição. Com os novos requisitos, a purgação deve ser controlada utilizando equipamento de detecção adequado para prevenir uma liberação significativa de gás inflamável. A mudança recente do código da NFPA é similar aos novos procedimentos de segurança desenvolvidos e implantados tanto pela ConAgra como pelo estado de Carolina do Norte nos meses a seguir a tragédia.
Poucos dias após a publicação das recomendações do CSB sobre a ConAgra, ocorreu a explosão da Kleen Energy. Em que pensou nesse momento?
Moure-Eraso: foi um sentimento de frustração. Essas são situações individuais, onde o gás inflamável, que deveria ser usado para fins energéticos, foi utilizado para algo totalmente diferente, ignorando o potencial para incêndios e explosões.
Holmstrom: lembro-me quando recebi a chamada sobre o incidente. Apesar de não conhecermos todas as circunstâncias particulares, sabíamos que há diferenças entre a purga e limpeza com gás em alta pressão. O ponto em comum é que existe gás inflamável, um material perigoso, liberado perto de trabalhadores e de fontes de ignição. Pensamos que esse tipo de atividade não deveria acontecer.
Foi uma surpresa descobrir que a limpeza com gás em alta pressão ocorria com certa freqüência?
Moure-Eraso: aquilo que me surpreendeu mais foi o elevado volume de gás utilizado para esse procedimento. Você tem um sistema de tubulações com resíduos sólidos e pó. Alguém tem a idéia de limpá-lo tomando gás inflamável em alta pressão e bombeando-o com a maior força possível, sem pensar naquilo que acontecerá na outra ponta. Isso surpreende.
Holmstrom: descobrimos que a limpeza com gás em alta pressão fazia-se por conveniência. Muito do nosso pessoal vem do setor químico e petroleiro, onde o princípio básico da segurança química é manter os materiais perigosos no interior das tubulações e do equipamento e não liberá-lo no espaço de trabalho. Uma das coisas que encontramos foi uma idéia errada sobre a força realmente necessária para remover uma quantidade suficiente de contaminantes numa tubulação para limpá-la. Vimos que se precisa muita menos força do que aquela que se julga necessária usualmente.
Outro motivo pelo qual não encontramos explicação para o uso de gás em alta pressão, é que o procedimento em si pode constituir uma fonte de ignição. A eletricidade estática ou uma partícula de metal contaminante ejetada pode entrar em contato com outra superfície metálica, criando uma centelha. Em dois dos incidentes precedentes envolvendo limpeza com gás em alta pressão, determinou-se que a fonte de ignição era de fato a própria limpeza com gás.
Investigando a questão mais profundamente, fizemos um inquérito junto dum grupo de pessoas que constroem centrais elétricas, chamado o Combined Cycle User’s Group. Descobrimos que, enquanto limpeza com gás em alta pressão era a técnica mais usada para limpar as tubulações, perto de 50% das pessoas utilizam técnicas mais seguras, o que indica que técnicas inerentemente mais seguras estão disponíveis e amplamente aplicadas.
Quais são essas técnicas mais seguras?
Holmstrom: as alternativas menos perigosas incluem limpeza com ar, com nitrogênio e a utilização dum PIG [uma escova colocada no interior dum duto e propelida através dele por pressão de um gás inerte], que não apresenta os riscos de incêndio e explosão dum gás inflamável. Achamos que estas alternativas são praticadas normalmente e não são caras. Quando perguntamos às pessoas que realizaram limpeza com gás porque utilizaram gás inflamável em lugar de gás não inflamável, eles não deram um motivo técnico. Acreditamos que o fizeram porque o gás se encontrava no local e era conveniente.
Como receberam a resposta da NFPA à explosão da Kleen Energy – estabelecer um novo comitê e começar a trabalhar sobre uma norma provisória regulando essa prática?
Moure-Eraso: a primeira discussão que tivemos com a NFPA tinha por objetivo analisar uma eventual mudança do âmbito da NFPA 54. Depois de muitas discussões e depoimentos, decidimos que a limpeza com gás em alta pressão era uma questão separada e que um novo comitê da NFPA deveria ser criado para lidar especificamente com essa questão. Essa foi uma resposta inicial muito importante. Penso que estamos indo na direção certa.
Fora dessas provisões do código, o que se deveria fazer para prevenir a ocorrência de incidentes similares?
Moure-Eraso: devemos olhar as centrais elétricas. Estão operando essas instalações, construindo as centrais para produzir eletricidade utilizando o gás. Será importante que tomem a iniciativa de dizer que, no processo de construção, a limpeza por gás em alta pressão deveria ser proibida. Esse é outro aspeto da prevenção desses incidentes.
Holmostrom: tivemos agora uma discussão sobre o futuro da indústria de geração de energia e notamos que os Estados Unidos são um dos maiores produtores de gás natural e que essa produção aumentará nos próximos anos. A segurança do gás combustível tornar-se-á uma questão muito mais importante e muitas centrais elétricas serão convertidas do carvão para o gás natural. Identificamos cerca de cento e cinquenta centrais elétricas que serão construídas nos próximos cinco anos. Estados como Connecticut já proibiram limpeza com gás em alta pressão. Quando os estados tomam esse tipo de decisão, que não é usual, é evidente que as entidades que elaboram os códigos e as normas seguirão o exemplo. Seria inconcebível dizer que limpeza com gás em alta pressão pode ser realizada de forma segura, mas com um asterisco e as palavras “exceto no estado de Connecticut”.
Em outras palavras, essas práticas devem ser uniformes. Essa é a importância da NFPA e do processo de preparação dos códigos e acreditamos que a NFPA está na direção certa e, finalmente, a prática limpeza com gás em alta pressão será abandonada e passaremos a usar alternativas mais seguras.
Moure-Eraso: outra estratégia preventiva é a regulação federal. Fizemos recomendações à Occupational Safety and Health Administration para proibir especificamente este procedimento e, na ultima vez que falamos com a OSHA, estavam considerando esta possibilidade. Esperamos alguma novidade nesse campo.
O que espera que os membros da NFPA levem da sua apresentação na Conference & Expo?
Moure-Eraso: um dos principais conceitos na prevenção de incidentes como esses e na proteção da saúde dos trabalhadores é a adoção de práticas inerentemente seguras em ambientes industriais. É isso que deveríamos buscar e evitar os riscos desnecessários. As práticas inerentemente seguras não tentam gerir os riscos, ao contrário tentam evitá-los desde o início.
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